Atrevamo-nos, já que somos humanos

Este artigo é um manual útil a todos aqueles que pretendem dar o primeiro passo na senda da Yoga Brahma Vidyā, A Ciência Sintética do Absoluto. O critério transcendental é o único capaz de identificar a autêntica vida śuddha.
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Exige-se daquele que deseja seguir os princípios e práticas do Śuddha Dharma (Essência da Espiritualidade; Lei Pura), que é o único que pode conduzir ao Yoga em seu sentido integral, que consulte o seu próprio coração mais de uma vez antes que se decida a fazê-lo. Este conselho é decisivo: não se pode deixar um problema acontecer para resolvê-lo no meio do caminho, nem convém ao interessado fazer-se de desentendido quanto a esta decisão. Cabe, em vez de fazer-se de desentendido, perguntar a si mesmo se o seu desejo é garantia suficiente para trilhar o caminho. Também é o caso de se perguntar se os princípios do Śuddha Dharma são realmente tão rigorosos ao ponto de impedir alguém de segui-los. Há que se averiguar, enfim, em que consiste consultar o seu próprio coração.

Em comparação aos que cultivam o hábito equivocado da anulação de todo desejo, o qual tende a gerar uma atitude hipócrita, aqueles que têm desejos e não tratam de dissimulá-los são homens honrados. O desejo é precisamente o que os impulsiona a buscar o caminho do Śuddha Dharma, o qual protege a todos os seres e, por causa de sua imensa amplitude, está em perfeita harmonia com as necessidades individuais.

Ao contrário das diversas religiões e escolas filosóficas espiritualistas existentes, o Śuddha Dharma não exige dos homens que considerem o mundo como falso, que desnaturalizem os sentidos, que aniquilem a mente, nem que executem tudo isto com o fim de apartar totalmente o aspecto material da vida e alcançar o êxito no sentido puramente espiritual. Por outro lado, o Śuddha Dharma deseja que os homens vivam a vida material para compreendê-la ampla e totalmente, porque assim como a noite segue o dia, seguem-se às revelações espirituais o Yoga (Grande Síntese). Por isto é que a doutrina do Śuddha Dharma considera que os aspectos espirituais e materiais da vida são muito importantes para alcançar um desenvolvimento integral. O Śuddha Dharma não prefere o espiritual às custas do material, ou vice-versa, pois isto leva ao desequilíbrio.

Há muito tempo vem sendo ensinado a se olhar o mundo como falso e ilusório e a abandonar tudo para ir em busca de Deus, considerando, em nome da religião, a vida material e a vida espiritual incompatíveis entre si. Por isto, o real Sanātana Dharma (Lei Eterna) será uma benção para muitos. Existe muito pouco de Sanātana (eterno) no que as religiões sustentam; elas captam só uma parte da verdade, porém pretendem ser integrais em suas proposituras.

Por conseguinte, quando se revela aos buscadores da verdade a verdadeira essência do Sanātana Dharma, esta revelação lhes abre os olhos, há tempos acostumados com ideias imprecisas, renovando-lhes o entusiasmo para viver e seguir os princípios do Śuddha (Sanātana) Dharma com a disposição de se alcançar a realização. Tal desejo, porém, embora em si mesmo altamente meritório, por si só não basta para garantir a adoção prática dos princípios do Śuddha Dharma, porque a prática implica em conhecimento direto dos princípios, sem os quais não há prática que mereça tal nome, ainda quando se deseje realmente realizá-la. Práticas realizadas de forma meramente empírica representam um desvio do caminho e não conduzem à verdade. Não basta o mero desejo de viver as verdades do Śuddha Dharma, é necessário segui-las. Somente poderá segui-las quem primeiro estudou e assimilou os seus princípios para então poder praticá-los.

É natural a curiosidade, mesmo do asceta, em conhecer os princípios fundamentais do Śuddha Dharma para poder certificar-se se seus princípios são realmente tão difíceis de seguir. Não é somente difícil, mas realmente desafiador adotar os princípios do Śuddha Dharma. A grande dificuldade para a mente adequar-se aos princípios da doutrina Śuddha relaciona-se com a sua própria natureza, extremamente simples.

O primeiro princípio do Śuddha Dharma é a Ahiṃsā (não causar dano a nenhum ser vivente). Num mundo em que se pratica a violência com todos os refinamentos, a ideia de “não causar dano” soa em nossos ouvidos como algo vazio de sentido e substância. A violência é o resultado direto da perniciosa teoria da “sobrevivência do mais apto”. Além do mais, o desejo de oprimir o próximo tem feito da violência um princípio axial, e já sabemos o que isto gera. Pode-se perguntar como é possível “não causar dano”. O propósito do Śuddha Dharma é precisamente transmitir como isto é possível.

O segundo princípio é Satya-vacana (Veracidade, pronuncia-se "satiavachana"). A falsidade é aliada de Moha (ilusão), a fascinação passional, precursora das quedas, que induz tomar uma coisa por outra. Quando se cultiva a falsidade, moha surge como o maior e mais persistente obstáculo. Daí que moha só possa ser superada por uma vida dedicada a Satya-vacana.

O terceiro princípio é Loka-kaiṅkarya (o serviço impessoal a todos os seres). Ele não exige que se saia do seu rumo normal para ir em ajuda de outros com prejuízo de sua vida pessoal. No Śuddha Dharma tudo é equilíbrio e moderação.

Os três princípios anteriormente expostos devem ser seguidos nas relações com os demais seres. O quarto princípio, Dhyāna (meditação) refere-se à relação com o si mesmo. Somente por meio da meditação e da reflexão o homem consegue superar-se e elevar-se no processo evolutivo do mundo. Não há nenhum outro meio para isto. Todos os Grandes Seres do Śuddha Dharma ocupam seus elevados ofícios dentro da hierarquia, unicamente, devido ao processo da meditação.

Estes quatro princípios, simples por demais, constituem a base vital e fundamental do Śuddha (Sanātana) Dharma. É precisamente porque estes princípios são tão simples, que a mente, acostumada com as ideias complexas e os malabarismos intelectuais, encontra dificuldades em pô-los em prática. Não há iogue [yogi] digno de tal nome se não colocar em prática estes princípios na vida diária. Os grandes tesouros espirituais e materiais do Śuddha Dharma estão ao alcance daqueles que adotarem estes princípios no cotidiano. Por isto, aqueles que desejarem seguir o Śuddha Dharma têm que refletir antes se serão ou não capazes de seguir os seus princípios. De nada adianta enganar a si mesmo a este respeito, pois estes princípios fundamentais da existência e da conduta humana são os únicos capazes de aprimorar a Sādhana (Prática Espiritual). Não existe outra maneira de proceder.

Vejamos agora em que consiste a consulta ao nosso próprio coração. Esta consulta tem o caráter de uma análise interior. Todas as decisões têm que ser testadas na bigorna dos quatro princípios básicos já mencionados, os quais facilitam a autoanálise. O coração, assento dos afetos, cria nós que impedem a realização.

Se queremos contemplar o Morador Interno (Ātman) no âmago do coração, o Iśvara, o único capaz de conduzir o homem da ignorância à sabedoria, do falso ao verdadeiro, da morte a imortalidade, temos que desatar estes nós. Isto pode e deve ser feito de forma gradual, com discernimento, inteligência e critério, os quais advêm com a prática dos princípios do Śuddha Dharma. Todas as tentativas para romper os nós do coração de uma maneira violenta, tal como ocorre com certas práticas fundadas em ideias equivocadas acerca da vida e da matéria e falsamente chamadas de Yoga, terminam em desastre.

O coração deve se libertar de suas ataduras e para isto é necessário levar uma existência dedicada ao modo impessoal de ser. O modo de vida impessoal faz com que as cadeias se rompam, resultando no estado de Yoga (Síntese).

O coração, como dissemos, assento dos afetos, deve os seus nós à relação equivocada entre os nossos gostos e estes mesmos afetos. Quando se produz a agitação emocional, as ondas dos gostos e desgostos se levantam; elas açoitam e perturbam a sede dos afetos, que é inteligência pura, gerando as tendências separatistas, de natureza dual e relativa, de bem e mal, e que perturbam o equilíbrio do homem. Estes fatores duais expressam-se como a maneira pessoal de viver, em torno do “eu” e “meu”, a qual acentua a multiplicidade e conduz aos antagonismos. O remédio soberano para dominar estes afetos consiste, unicamente, no modo impessoal de viver, o que implica em não se deixar influenciar pelas qualidades da matéria, conhecidas como as tri-guṇas – sat-tva (inteligência), rajas (paixão) e tamas (ignorância) –, as quais nos levam a reagir passionalmente ante o que percebemos como bem ou mal. Toda a realidade de vida manifestada é o resultado do maior ou menor grau e proporção em que estas três qualidades se encontrem combinadas. Quando a inteligência começa a se impor sobre as dualidades, somos conduzidos a um modo mais impessoal de se viver, o qual, por sua vez, afrouxa os nós do coração, conduzindo-nos à realização espiritual. Este Yoga real (Raja) resulta em maestria sobre todas as ações e é isto que se entende por consultar o coração uma e outra vez.

Daí se dizer que as pessoas que desejarem seguir a doutrina do Śuddha Dharma deverão aprender a examinar a fundo, uma e outra vez, o seu próprio coração, para se certificarem de que, verdadeiramente, terão a coragem para caminhar por esta senda única, que harmoniza a vida externa com a interna, o material com o espiritual, o manifestado com o não manifestado. Tudo o que denominamos problemas, estejam eles relacionados com questões econômicas, políticas, sociais, religiosas, etc, assim se constituem porque são considerados indevidamente à luz da existência.

Quando se estuda a vida conforme nos ensina o Śuddha Dharma, encontra-se a solução dos problemas, os quais se definem pela relação individual que se tem com eles. Quando um problema individual encontra uma solução que funcione em toda parte, o resultado é também coletivo. Por isto Bhagavan Narāyaṇa [Cristo Planetário] afirma no Sanātana Dharma Dīpikā (a lei eterna revelada) que os diversos níveis sociais, desde o mais elevado até o mais baixo, devem ser medidos em termos de jñāna (sabedoria) e não tomando-se por base a classe social ou as riquezas, que correspondem ao meramente material. Jñāna assinala o grau de desenvolvimento interno (átmico), enquanto que o externo corresponde ao material (prakrítico).

Em sociedades cujos membros cultivam o desenvolvimento interno há menos conflitos e existem menos fatores que ofusquem a alegria da existência, quando comparado com uma sociedade de base exclusivamente materialista – esta, por causa do seu separatismo inato, torna-se um campo propício à desarmonia, a qual só pode ser solucionada devidamente por meio da sabedoria (jñāna). Os seres humanos podem criar semelhante sociedade a partir do desenvolvimento em si mesmos da verdadeira inteligência. Neste sentido, o Śuddha Dharma pode ajudar-lhes imensamente.

O primeiro objetivo que deve perseguir o aspirante ao Śuddha Dharma, portanto, é alcançar o correto conhecimento e, uma vez alcançado este conhecimento, deve submetê-lo à prova continuamente por meio de sua razão e da prática dos princípios do Śuddha Dharma em sua vida diária, para assim poder alcançar a sabedoria. Maiores detalhes sobre esta prática que abarca a totalidade da existência podem ser obtidos considerando-se a manifestação de Sri Bhagavan Mitra Deva, cuja missão é elucidar a Lei Eterna para a humanidade cega, tirando-a do seu atual caminho de destruição e conduzindo-a para o grandioso e verdadeiro objetivo final de paz eterna e felicidade suprema.

OM TAT SAT
SRI. T. M. JANARDANA

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